quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Até voltar a dançar...

Gosto sempre de escrever os meus pensamentos, mesmo que a escrita se agache e se deixe encalhar num vão qualquer do disco rígido. É uma escrita silenciosa e reservada, com um destinatário impreciso e, talvez, incerto. Só não a direi púdica, porque se afirma de modo alarve com uma faceta ostentosamente onanística, que se pratica só para se fruir o acto puro de praticar. Antigamente, eram uns papelitos que se deixavam a enrodilhar nos bolsos e que morriam amalgamados, no meio de moedas e notas de baixo valor, triturados pelas máquinas de lavar roupa; que, além de nos roubar memórias, também servem para lavar a roupa.

Mas gosto, sobretudo, de blogar os meus pensamentos. É como fazer um filho e expô-lo na roda: "fiz isto e quem gostar que o leve, que lhe dê alimento e que lhe mantenha a vida!". Blogar é ser solitário no meio das gentes. E fazer esta troca de comentários que é como quem anuncia: "Estou aqui". E interpela: "Há alguém aí?".

Escrever e blogar são prazeres. E, como prazeres, requerem disponibilidade de recursos, esforço prolongado e sofrimento consentido. E é este sofrimento, como o orgasmo, que traz o alívio.

Sofrer uma incapacidade não traz alívio. Não traz alívio depender da intervenção alheia para mudar de posição, sentar à mesa de trabalho, mudar as pilhas do rato ou os cartuchos da impressora. Todo o sofrimento imposto humilha. E mais ainda aquele que não se percebe, que não faz sentido, que baralha e faz perder a confiança em todos os parâmetros conhecidos da realidade. Porque não consigo parar a comichão que se me instalou entre os dedos, memória de um velho pé de atleta, numa perna que não existe, que apodreceu com a gangrena, que foi sacralmente incinerada em ritual hospitalar? Posso garantir que a comichão está ali, precisamente ali, e apontar o local exacto: - Não, não, mais para o lado, desculpem, tive que destraçar a perna que estava numa posição incómoda. - Mas qual perna? - A perna "não". - Esta? - Não, essa é a perna "sim". E desbobinar infindamente esta conversa e a gente a pensar como é que esta gente vai entender? E eles a pensar: ao ponto a que isto chegou, ele agora vê pernas e pés, sente pernas e pés, que são só para sentir, já nem servem para andar, para levantar e sentar.

Escrever e blogar parece ser uma coisa só de usar a cabeça. Do género: ah! agora tive uma ideia. Pego a ideia delicadamente entre o polegar e o indicador, levanto-a a uma altura cómoda para a vista e penso: que linda ideia que está aqui, vamos escrevê-la. E zaque-zaque-zaque, e truz-truz-tuz. É simples, olha como a ideia ficou tão linda vestida de escrita!

Fosse escrever e blogar usar só a cabeça, mas não! Penso que é como no futebol embora não saiba nada de futebol. Acho que são precisas duas pernas para correr, os pés para conduzir a bola e, se der jeito, chegadinha à boca da baliza, a cabeça até pode dar o remate final. Como a escrever e a blogar...

Agradeço às amigas e amigos que me têm visitado, virtualmente, nos meus blogues, real e fisicamente, no Sítio do Tremontelo, e que insistem para voltar a escrever. Sei que tenho que ultrapassar esta fase, sei que esta é uma fase. Lá desculpa tenho: é-me difícil; e o tempo, dividido entre a fisioterapia e as consultas de preparação para a prótese a ser feita na Alemanha, escasseia. Todavia, com mais ou menos esforço, estarei sempre aqui para dizer: "ói!"

2 comentários:

Fragmentos Betty Martins disse...

.________meu querido Piratinha Rodrigo


como eu admiro a tua força_____ainda "brincas" com a tua dor

.mas eu estou tão triste.tão triste____estava a ler-te e a sentir um aperto no coração___é de facto uma fase difícil - mas tu vais ultrapassar com a tua força - não só física como psíquica e espiritual


.por favor sempre que puderes_____dá-me noticias______eu passarei sempre por aqui

.sentindo-te meu amigo



beijO____ternO

Justine disse...

Olha Rodrigo, vou deixar-te um cadeau,que espero te ajude a enfrentar com coragem estes tempos de difícil adaptação. Aí vai:

Pedaço de mim

Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior que o esquecimento
É pior do que se entrevar

Oh, pedaço de mim
Oh metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade doi como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar o cais
(...)
O cadeau continua ali em cima:))